Comecemos pela história da Joana (nome fictício).
A Joana é uma menina de 5 anos. Em casa é expressiva, sorridente, observadora e enérgica. Adora correr, andar de baloiço e vestir as roupas da sua irmã mais velha. Vive num mundo cor de rosa só seu, onde os unicórnios ganham vida e se expressam a cantar, a dançar e a pintar
Tem um sorriso rasgado, umas pestanas grandes e um olhar brilhante e expressivo, que fala por si.
Contudo, a Joana não é sempre assim.
Na escola, revela-se tímida, retraída, inibida, quase sempre fechada numa bolha só sua, onde é muito difícil entrar. O mundo colorido em que vive parece tornar-se sem cor. Compreende tudo o que lhe dizem, realiza as tarefas com perfecionismo e, às vezes, até sorri. Mas não fala. Aliás, fala com o olhar, porém, não verbaliza. Desenha muito, aponta e, com o corpo, expressa, na sua maioria, quase tudo o que sente.
Parecem viver-se dois mundos diferentes, duas expressões de comportamento marcadamente distintas, no entanto, uma única Joana, repleta de sonhos, de vivências, de expressividade que parece, tantas vezes, fechada à chave.
Uma Joana, dois comportamentos distintos. Mas… a que se deve este desequilíbrio?
O caso da Joana insere-se numa problemática denominada Mutismo Seletivo, que se insere no conjunto abrangente das Perturbações de Ansiedade. Carateriza-se pela recusa em falar em determinadas situações de cariz social, nas quais se espera que a criança fale, designadamente, o ambiente escolar, apesar de o fazer noutras situações.
É, de facto, uma problemática marcada por uma ansiedade social muito elevada. Na sua generalidade, as crianças com Mutismo Seletivo têm capacidades de linguagem e de fala muito satisfatórias. Contudo, tal como o nome indicia, falam seletivamente com determinadas pessoas (maioritariamente, as do seio familiar próximo) e selecionam os contextos para o fazer (casa ou outros).
O Mutismo Seletivo envolve, principalmente, crianças em idade escolar e do género feminino. Apresenta, como traços comportamentais, a timidez, a vergonha, a inibição e um grande evitamento de situações desconhecidas.
Releva-se, com efeito, uma condição incapacitante para a criança, mas igualmente difícil de entender para os Pais. Estes parecem não conhecer a criança que é caraterizada pela professora, que, por sua vez, nunca vê, na sala de aula, a descrição dada pelos pais.
Com isto, quero dizer que crianças com sinais tão díspares de comportamento em contextos diferentes, nomeadamente, quando a fala se revela um bloqueio grave na relação e na interação social, devem ser alvo de uma avaliação atenta especializada. Precocemente, há traços de personalidade que ainda são possíveis de quebrar. Tardiamente, os mesmos podem cristalizar e tornar-se bem mais difíceis de alterar. Desde logo, tendem a traduzir-se numa fonte de sofrimento e ansiedade não só para a criança, como também para a família.
Termino com conclusão do caso da Joana.
A Joana, ao fim de 2 anos de intervenção, ainda é uma menina ligeiramente diferente nos contextos casa e escola, mas…
Já fala (embora, por vezes, num tom baixo) com as coleguinhas da turma e a professora, já mostra o seu sorriso mais vezes, encontra-se mais descontraída e alegre e…
Fica sempre muito entusiasmada e feliz por ir para a escola e por ter ultrapassado o monstro da vergonha, que vai aparecendo, ainda, algumas vezes, mas muito, muito menos.
O mundo da Joana mudou. O da família e o da escola também.