O que são Comportamentos Autolesivos?
Os comportamentos autolesivos na adolescência representam um fenómeno preocupante, pois, apesar de não envolverem necessariamente intenção suicida, podem aumentar o risco de suicídio. Este período da vida é marcado por intensas transformações físicas, cognitivas e emocionais, além da constante comparação com os outros. Assim, muitos adolescentes adotam comportamentos de risco, como o auto-dano, para lidar com a dor emocional, ansiedade ou frustração.
Prevalência e dados estatísticos
Este fenómeno afeta uma percentagem significativa da população jovem, estimando-se que entre 7 a 14% dos adolescentes se automutilem deliberadamente pelo menos uma vez na vida e o aumento da sua frequência nas últimas décadas faz com que seja considerado pela Organização Mundial de Saúde (OMS) um problema global de saúde pública. É mais comum a partir dos 12 anos, sendo o período mais vulnerável entre os 15 e os 16 anos e com maior frequência no sexo feminino.
7 a 0%
Comportamentos Autolesivos em Adolescentes
12 aos 0 anos
Período mais vulnerável
Sexo com maior frequência
Feminino
Tipos mais comuns de autolesão
Os comportamentos autolesivos, referem-se a qualquer ato que envolva o dano intencional ao próprio corpo. Entre as formas mais comuns de autolesão encontram-se o corte, queimaduras, arranhões, bater em objetos com a intenção de ferir a si mesmo, impedir que as feridas cicatrizem, asfixia, ingestão de substâncias em dose excessiva à dose terapêutica recomendada, ingestão de drogas ilícitas (num ato em que o indivíduo vê como uma autoagressão) e de objetos não ingeríveis. Embora estas ações não visem diretamente a morte, em muitos casos, podem levar a complicações médicas graves, como infeções, cicatrizes permanentes e, em situações extremas, a morte acidental.
Um fator importante a considerar é que as autolesões podem ocorrer tanto de forma isolada como recorrente e a persistência desses comportamentos está frequentemente associada a maiores níveis de sofrimento emocional e a outras formas de psicopatologia, tais como depressão, ansiedade, perturbações alimentares e abuso de substâncias. Os comportamentos autolesivos são vistos como uma estratégia para aliviar emoções negativas intensas e indesejadas, sendo que jovens com maior dificuldade de gestão das suas emoções, tornam-se mais propensos a usar esta conduta como uma estratégia desadaptativa de regulação emocional.
Principais causas
Fatores psicológicos e emocionais
Os comportamentos autolesivos são frequentemente uma resposta a emoções intensas e complexas. Durante a adolescência, os jovens enfrentam desafios significativos que podem afetar sua saúde mental. Podem sentir-se confusos e sobrecarregados pelas transformações que estão vivendo, o que pode levar a comportamentos de risco, como as autolesões. A adolescência é um período de vulnerabilidade, devido às alterações hormonais, construção da identidade pessoal, desenvolvimento da autonomia e ao aumento das exigências sociais e académicas. Durante este período, os adolescentes enfrentam uma série de desafios emocionais e sociais, que podem influenciar seu comportamento, como descrito em Os Desafios da Adolescência.
Influências familiares e sociais
Os principais fatores de risco incluem historial de trauma ou abuso, bullying, falta de apoio familiar ou comunicação pobre, convívio com outra pessoa que se autolesione, baixa autoestima, dificuldades de resolução de problemas, sintomatologia ansiosa e depressiva, impulsividade, divórcio parental, luto, consumo excessivo de álcool ou drogas, término de relacionamento, influências sociais e culturais. A presença desses fatores pode aumentar significativamente a probabilidade do desenvolvimento de comportamentos autolesivos na adolescência.
As funções da conduta autolesiva podem ser interpessoais (influência interpessoal, vínculo a pares, procura de sensações e limites interpessoais) e intrapessoais, quando associada ao reforço automático centrado no próprio (autorregulação, autopunição, evitamento de um impulso suicida, anti dissociação, autopunição, substituição do sofrimento). A evidência científica tem demonstrado que as funções intrapessoais têm maior prevalência na regulação do afeto, na autopunição e no mecanismo de fuga. Existe pretensão de atenuar emoções negativas como a raiva, tristeza, angústia, medo, frustração, mas igualmente gerar sentimentos, “sentir alguma coisa”.
O período que antecede o ato de se autolesionar, está habitualmente associado a sintomas de depressão, ansiedade, tensão, raiva, angústia generalizada e autocrítica, e o objetivo é frequentemente, obter alívio de um estado sentimental e/ou de pensamentos disfuncionais, resolver uma dificuldade interpessoal ou proporcionar um estado de sentimentos positivos.
Como identificar sinais de alerta?
Este tipo de conduta é reflexo de uma adolescência patológica e marcada por sofrimento emocional, sendo fulcral a deteção e apoio precoce a estes adolescentes, numa abordagem que deve ser multidisciplinar e de envolvimento da família, escola e comunidade, permitindo-lhes encontrar estratégias mais adaptativas de lidar com os desafios e promovendo o seu bem-estar psicológico.
Mudanças comportamentais e emocionais podem indicar a presença de comportamentos autolesivos. Entre os sinais de alerta estão isolamento social, vestuário inadequado para esconder ferimentos, oscilações de humor, baixa autoestima, frustração constante, aumento da impulsividade e explicações inconsistentes sobre lesões frequentes.
Estratégias de prevenção e apoio
Papel da família e da escola
A deteção e o apoio precoce são fundamentais para ajudar os adolescentes. O envolvimento da família e da escola desempenha um papel essencial na prevenção, oferecendo suporte emocional, promovendo a comunicação aberta e evitando julgamentos que possam reforçar sentimentos de culpa e isolamento.
Terapia e intervenção psicológica
A intervenção profissional é essencial para a recuperação de quem apresenta danos autoinfligidos. A terapia cognitivo-comportamental tem demonstrado eficácia na regulação emocional, auxiliando na adoção de estratégias mais saudáveis para lidar com dificuldades internas. O acompanhamento por psicólogos e terapeutas possibilita o desenvolvimento de habilidades que reduzem a necessidade de recorrer à automutilação ou autoagressão como forma de alívio.
Conclusão – Como promover a saúde mental dos adolescentes?
O bem-estar psicológico nessa fase da vida exige uma abordagem integrada, envolvendo família, escola, profissionais de saúde e a comunidade. A criação de ambientes seguros e de confiança, aliada ao acesso a apoio psicológico adequado, pode reduzir significativamente a prática de danos autoinfligidos, ajudando os jovens a desenvolver mecanismos mais saudáveis para enfrentar desafios emocionais e sociais.
Bibliografia:
Castilho, P., Pinto-Gouveia, J., & Duarte, J. (2013). Exploring self-criticism: Confirmatory factor analysis of the FSCRS in clinical and nonclinical samples. Clinical Psychology and Psychotherapy. doi:10.1002/cpp.1881
Hawton, K., Saunders, K. E., & O’Connor, R. C. (2012). Self-harm and suicide in adolescents. The Lancet, 379, 2373-2382.Klonsky, E. D. (2007). The Functions of Deliberate Self-Injury: A review of the evidence. Clinical Psychology Review, 27, 226-239
Hilt, L. M., Cha, C. B., & Nolen-Hoeksema, S. (2008a). Nonsuicidal self-injury in young adolescent girls: Moderators of the distress-function relationship. Journal of Consulting and Clinical Psychology, 76, 63. doi: 10.1037/0022-006X.76.1.63
Klonsky, E. D., Muehlenkamp, J. J., Lewis, S., & Walsh, B. (2011). Non-suicidal self-injury. Advances in psychotherapy: Evidence-based practice. Hogrefe, Cambridge, MA
Muehlenkamp, J. J., & Gutierrez, P. M. (2004).An investigation of differences between selfinjurious behavior and suicide attempts in a sample of adolescents. Suicide and Life Threatening Behavior, 34, 12–23. doi:10.1521/suli.34.1.12.27769
Nock, M. K. (2010). Self-injury. Annual Review of Clinical Psychology, 6, 339-363. doi:10.1146/annurev.clinpsy.121208.131258
Nock, M. K., & Prinstein, M. J. (2004). A functional approach to the assessment of self-mutilative behavior. Journal of Consulting and Clinical Psychology, 72, 885-890. doi:10.1037/0022-006X.72.5.885
Pinto, M.; Gouveia, P. & Maia, C. (2023). Comportamentos Autolesivos Não Suicidários na Adolescência e a Perspetiva das Terapias Cognitivo-Comportamentais. Revista Portuguesa de Psiquiatria e Saúde Mental, 9 (3) 107-115.
Ross, S., & Heath, N. (2002). A study of the frequency of self-mutilation in a community sample of adolescents. Journal of Youth and Adolescence, 31, 67-77.
World Health Organization (2020)