As dificuldades de aprendizagem afetam milhões de crianças e adultos em todo o mundo, tendo um impacto significativo no seu desempenho escolar, no desenvolvimento social e emocional.
Entre as condições mais comuns, a Dislexia e a Perturbação do Desenvolvimento da Linguagem (PDL) destacam-se como duas perturbações frequentemente confundidas devido às suas manifestações no domínio da leitura, escrita e comunicação.
No entanto, estas condições têm características e causas distintas que exigem abordagens de avaliação, diagnóstico e intervenção específicas.
Desta forma, é importante perceber as diferenças e semelhanças entre elas para fazer um diagnóstico diferencial precoce, permitindo intervenções mais adequadas e eficazes.
O que é a Perturbação do Desenvolvimento da Linguagem (PDL)?
Sabemos que a Perturbação de Desenvolvimento da Linguagem (PDL) é de origem neurobiológica e de carácter permanente.
Com isso, importa salientar que a PDL ocorre sem a presença de défice cognitivo, ou seja, as crianças afetadas apresentam um desenvolvimento cognitivo adequado, mas enfrentam dificuldades específicas na linguagem.
Características e sinais principais:
- Discrepância entre a compreensão e expressão oral;
- Vocabulário adequado, mas com dificuldade em aceder e aplicá-lo;
- Hesitações e pausas no discurso;
- Erros fonológicos atípicos;
- Frases desorganizadas na escrita.
Subtipos de PDL:
- PDL fonológica – a dificuldade é centrada no processamento fonológico;
- PDL morfossintática – a dificuldade envolve alterações sintáticas e morfológicas;
- PDL semântica – problemas relacionados com o léxico;
- PDL pragmática – dificuldades pragmáticas.
É importante destacar que uma criança pode apresentar um subtipo específico de PDL ou uma combinação de dois ou mais subtipos, dependendo das dificuldades específicas que enfrenta.
Estas alterações refletem-se tanto na leitura quanto na escrita:
- Na leitura, a criança pode apresentar dificuldades na descodificação do conteúdo, o que leva a problemas na compreensão do que foi lido.
- Do mesmo modo, na escrita, podem surgir dificuldades na codificação (desde a segmentação da palavra em sílabas, da sílaba em fonemas e, finalmente, dos fonemas em grafemas), o que pode resultar em frases com alterações na coesão e coerência.
Observa-se que a escrita é geralmente mais difícil do que a leitura para estas crianças. A PDL pode ser diagnosticada ainda no jardim de infância.
O que é a Dislexia?
A Dislexia é uma perturbação específica da aprendizagem, também de carácter neurobiológico e permanente, que ocorre sem a presença de défice cognitivo.
As dificuldades associadas à dislexia resultam de um défice fonológico, que é inesperado quando comparado com outras capacidades cognitivas e condições educativas.
Sendo assim, essas alterações podem refletir-se em dificuldades na fluência e compreensão leitora, na precisão da escrita, e numa maior dificuldade na leitura em relação à escrita.
Sinais de dislexia infantil:
- Dificuldade na descodificação de palavras;
- Leitura lenta, silabada ou imprecisa;
- Dificuldade na ortografia;
- Problemas na consciência fonológica;
- Desafios na fluência da leitura.
A dislexia pode ser diagnosticada a partir do 1º ciclo do ensino básico, mais concretamente no 2º ano de escolaridade, quando as dificuldades se tornam mais evidentes e persistem apesar da instrução adequada.
Portanto, o diagnóstico precoce da dislexia e a intervenção são fundamentais para ajudar a criança a desenvolver estratégias compensatórias e de apoio.
Quando é PDL e quando é Dislexia?
A Perturbação do Desenvolvimento da Linguagem (PDL) e a Dislexia são condições que afetam a linguagem e a aprendizagem, mas de formas diferentes.
Mais provável ser PDL quando:
- Há dificuldades marcadas na compreensão e expressão oral;
- O vocabulário é desorganizado;
- Existem erros fonológicos atípicos na fala;
- As dificuldades começam antes da fase da leitura.
A PDL é uma condição neurobiológica que afeta a aquisição, compreensão e expressão da linguagem oral e escrita.
Mais provável ser Dislexia quando:
- As dificuldades centram-se na leitura e ortografia;
- A compreensão e a linguagem oral são adequadas;
- A leitura é lenta e com muitos erros, devido à dificuldade em associar letras aos sons correspondentes;
- As dificuldades surgem ao iniciar a aprendizagem formal da leitura.
Por outro lado, a Dislexia é uma dificuldade específica de aprendizagem que afeta principalmente a leitura e a descodificação de palavras.
LEIA O ARTIGO SOBRE ‘OS GESTOS E O DESENVOLVIMENTO DA LINGUAGEM’
Quando procurar ajuda especializada?
- Se a criança apresenta dificuldades marcadas e persistentes na compreensão e/ou expressão oral, não acompanhando a evolução esperada.
- Caso surjam erros fonológicos atípicos (ex.: omissões ou substituições não esperadas para a idade).
- Perante dificuldades evidentes na leitura (descodificação lenta, imprecisa ou silabada) e na escrita (erros ortográficos persistentes, dificuldades na organização de frases).
- Sempre que as dificuldades persistem, apesar da aplicação de estratégias pedagógicas diferenciadas.
- Se o desempenho escolar, as relações sociais ou o bem-estar emocional da criança estiverem a ser afetados.
Quando deve ser feita a avaliação?
- Educação pré-escolar – quando há sinais de alerta na linguagem oral;
- Entre o final do 1.º ano e durante o 2.º ano – quando surgem dificuldades de leitura e escrita;
- Sempre que pais ou professores notem sinais de alerta.
O papel do terapeuta da fala
Avalia detalhadamente as competências linguísticas (oral e escrita), incluindo a consciência fonológica, perceção auditiva, competências de leitura e escrita.
Diagnostica a Perturbação do Desenvolvimento da Linguagem (PDL) e contribui para o diagnóstico de perturbação da aprendizagem específica (Dislexia), juntamente com psicólogos ou pediatras de desenvolvimento, numa abordagem multidisciplinar.
Conclusão
A avaliação e intervenção precoce são essenciais para promover o desenvolvimento saudável da linguagem oral, da leitura e da escrita. Quanto mais cedo forem identificados sinais de alerta, maior será a probabilidade de garantir um apoio eficaz e alinhado com as necessidades da criança.
A colaboração de uma equipa profissional permite uma compreensão integrada do desenvolvimento infantil, assegurando diagnósticos rigorosos e estratégias de intervenção adequadas em parceria com a família e a escola.
Investir atempadamente no apoio à linguagem infantil tem um impacto decisivo não só na comunicação, mas também no percurso académico e emocional da criança. Reconhecer os sinais e agir cedo faz toda a diferença.
LEIA O ARTIGO SOBRE ‘A IMPORTÂNCIA DA CONSCIÊNCIA FONOLÓGICA NA APRENDIZAGEM DA LEITURA E ESCRITA’
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